Wednesday, January 23, 2008

Um texto para despertar consciências ou a história da Búlgara que me tramou.

Tudo pode acontecer quando os ombros estão desprotegidos. Á medida que avanço sozinho pela tão inesperada 24 de Julho penso na filha que me espera em casa e peso mais uma vez como foi possível acabar a minha vida em tão tenra idade . O suicídio que não é premeditado nem acidental. A simples inconsciência de uma pessoa se deixar levar pelo momento. Mas algum credito tenho de dar a minha pessoa pois a mulher, a rapariga, a menina nos meus olhos praticamente, era um banquete para os olhos e a noite foi como uma ceia depois da guerra. Algo estava reservado para mim, sabia-o mas não estava garantido. Era também sabido pelos outros que se envolviam na minha cabeça, amigos de longa data ou vítimas de conversas de 30 segundos não pedidas e talvez bizarras, que nada me ia deixar permanecer, a permanência existia apenas na deslocação do espaço físico, temporal, profissional. Mas por enquanto estava feliz, naquela altura estudava pouco mais que o suficiente para ser brilhante. Com 17 anos e 3 dias faltavam-me 270 dias escolares para o fim de uma etapa e o início de outra, desta, infindável. Foi com um amigo que decidi ir até ás docas apanhar um bocado de sol e comer bem.

Um livro, era esse o único amigo que podia e queria suportar nesse dia. Tinha ido sair no dia anterior até Santarém, a uma festarola de um senhor amigo qualquer e a noite estava apagada da minha memória, apenas restavam relatos de que tinha mergulhado para dentro de um lago num simbolismo descabido de quem volta para o útero da mãe, o retrocesso do nascimento, disseram-me que estava enrolado em celofane e pude constatar isso mesmo porque juntamente com a rapariga que jamais havia visto com que acordei num fardo de palha estava ainda com pequenas aderências de plástico nas costas. A viagem de carro foi também bastante vaga, dormi e deixaram-me em casa, a minha mãe levou-me as docas e seguiu para a praia de São Pedro do Estoril. Almocei bem e bebi também qualquer coisinha para poder tirar alguma dor de cima da mona. Li bastante na relva e adormeci, não tinha levado nada de valor por isso não estava nem em perigo, nem contactável. Acordei à meia-noite com um sabor empapado e desconfortável na boca. Levantei-me e por acaso tinha uma pastilha no bolso que não devia estar nas melhores condições. Caminhei e atravessei a avenida no túnel que passa por baixo da linha de comboio. Estava já algum frio mas o sobretudo que tinha vestido era senhor para a tarefa. Comecei a fazer a 24 de Julho a pé com a finalidade de apanhar um autocarro na Infante santo, quando faltava pouco para o meu destino vi uma pessoa na berma do passeio. Estava com umas sabrinas de criança, pretas polidas até se ver o reflexo, apertadas que nem uma branca de neve cuidadosa. A saia comprida de um azul eléctrico que vestia parecia um polar, devia aquecer tanto como um “fogão” de uma senhora velhinha, mas não complementava isso no resto do corpo. Abraçava os joelhos flectidos numa tentativa de acalorar os braços descobertos. Tinha um top branco ligeiramente decotado e que seria proibitivo não fosse o tamanho considerável do seu peito. Estava a chorar e alça esquerda parecia remendada mal e porcamente, algo que aparentava ter sido feito recentemente. Sentei-me ao lado dela e estiquei as pernas e cruzei uma sobre a outra. Não disse nada, esperei que ela desse sinais de vida e que se entregasse a uma complacência ainda que forçada. De repente, passados 5 minutos em que até já tinha aberto o livro que não consegui ler por estar demasiado preocupado ela falou:
-Go away! Eu vi finalmente a sua cara que até então estava tapada pelo cabelo preto cerrado. Uns olhos verdes mas claros e que se podiam ser transparecidos com a visão mais apressada. Um nariz perfeitinho, não muito grande, não muito pequeno e os beixos extremamente contraditórios a si mesmos. Pequenos mas cheios, carnudos, imensos. Quando falou detectei um sotaque de leste mas não Russo, não Ukraniano, um país mais florestal ainda. A Hungria, Bulgária ou até mesmo talvez a Republica Checa. Havia uma sofisticação no seu discurso mesmo que só tenha solto duas palavras. Eu tirei o casaco e tentei pô-lo o mais lentamente possível por cima dos seus ombros, como se estivesse a desarmar uma bomba. Ela olhou-me de forma ameaçadora mas eu apenas fiz como se tivesse mudado de fio e redobrei o cuidado. Depois, finalmente, poisei o casaco.
-What´s troubling you? Arrisquei usar a fala e revelar que não era mudo. Ela respondeu:
-What´s it to you?
-Absolutely nothing. But you see, unfortunately I´m too curious of you’re whereabouts. I really must know.
-I’m from Bulgaria.
-I see. What does a girl from Bulgaria do in Portugal to be left crying on the side of the road?
-Well... Allright. I came with a friend. My best friend since forever. Problem is I didn´t know of his intentions for this trip.
-Do you want to call the police? What happened?
-No! God no! It was my fault. I let him kiss me and suddenly he was on top of me. In the car! I tried to get away but i only ripped my top with his insistence. I ran and he left, now i’m here talking to a total stranger.
-Don’t worry. I’m always quite straightforward with my intentions. Where are you staying?
-In a youth pension near rossio.
-Can i walk you?
- Ok sure. Why not?

Então levantámo-nos e a ligação estava feita, o gelo quebrado, a barreira atravessada, a química despoletada. Tudo isso. Já não havia cautela senão no desconforto do que iria dar aquele humilde passeio. Conversámos bastante, sobre tudo. Quando chegamos ao cais de sodré e subimos a rua do alecrim começou a chover e entrámos com um rock pesado. Então deixámos de falar e contemplámo-nos. Ao início timidamente da parte dela e confiantemente da minha, mas depois de algum tempo fizemo-lo de forma acolhedora. Quando me levantei para ir buscar as bebidas já éramos amantes. Não queríamos ficar rodeados de gente então continuámos pela Avenida onde nos conhecemos em direcção e para lá da casa dos bicos. Subimos pela Alfama e chegamos a um miradouro um pouco acima da Sé, para lá do Santiago Alquimista. Aí desenfreou-se, não a paixão, não a devoção, talvez a curiosidade, o aperto definitivamente o conforto. Tirei-lhe o sobretudo e vesti-o, depois com a mão nos bolsos aconcheguei-a e escondi-a perto de mim. Olhei para ela e inclinei a cabeça de forma a que só eu, naquele momento, a pudesse considerar sem olhares alheios. Ela chamou-me, sem sombra de dúvida e beijei-a sem se quer saber o seu nome. Pareceram horas e as lapas em que nos transformámos muito simplesmente não desgrudaram.

O resto foi a minha casa vazia de pais ausentes, arrumar o quarto a pressa, a restrição de movimentos demasiado lascivos ou pelo menos a ausência da sua intenção e a imersão de um corpo noutro. No fim ela chorou e eu desesperei, perguntei qual era o problema mas não havia nenhum. Disse que tinha atingido pela primeira vez a felicidade plena e eu não manifestei a minha concordância acreditando que seria possível talvez um momento que suplantasse este na nossa história. O que se passou a seguir foi um pathos de destruição. A derrocada do clímax para corrosão de um homem. Esteve mais três dias cá em que não me atendeu o telefone e 8 meses depois apareceu com uma criança que sofria de trissomia 21, ficou em minha casa uma semana em que mal nos falámos, os piores 7 dias da minha vida e depois desapareceu deixando a Yordanovshka Salvadorovitch Strafelnikov Mayer com um pai solteiro de 18 anos com 75% de ácido sulfúrico no corpo.

6 comments:

Domingos said...

considerado por muitos um mestre da literatura portuguesa!

Sofia said...
This comment has been removed by the author.
Slope said...

Pelos vistos não tens queda apenas para a advocacia... ;) A tua amiga "velha"

tin tin said...

Its really good. Id like to write and formal critique.. do i have your permission? miss you xxx

sa said...

13 21 13 2/19

J. Ryder said...

quite impressed, one has to say...